segunda-feira, 4 de abril de 2011

Transtorno Afetivo


MANIA – BIPOLAR

O que é?

O transtorno afetivo bipolar era denominado até bem pouco tempo de psicose maníaco-depressiva. Esse nome foi abandonado principalmente porque este transtorno não apresenta necessariamente sintomas psicóticos, na verdade, na maioria das vezes esses sintomas não aparecem. Os transtornos afetivos não estão com sua classificação terminada. Provavelmente nos próximos anos surgirão novos subtipos de transtornos afetivos, melhorando a precisão dos diagnósticos. Por enquanto basta-nos compreender o que vem a ser o transtorno bipolar. Com a mudança de nome esse transtorno deixou de ser considerado uma perturbação psicótica para ser considerado uma perturbação afetiva.
A alternância de estados depressivos com maníacos é a tônica dessa patologia. Muitas vezes o diagnóstico correto só será feito depois de muitos anos. Uma pessoa que tenha uma fase depressiva, receba o diagnóstico de depressão e dez anos depois apresente um episódio maníaco tem na verdade o transtorno bipolar, mas até que a mania surgisse não era possível conhecer diagnóstico verdadeiro. O termo mania é popularmente entendido como tendência a fazer várias vezes a mesma coisa. Mania em psiquiatria significa um estado exaltado de humor que será descrito mais detalhadamente adiante.
A depressão do transtorno bipolar é igual a depressão recorrente que só se apresenta como depressão, mas uma pessoa deprimida do transtorno bipolar não recebe o mesmo tratamento do paciente bipolar.


Características

O início desse transtorno geralmente se dá em torno dos 20 a 30 anos de idade, mas pode começar mesmo após os 70 anos. O início pode ser tanto pela fase depressiva como pela fase maníaca, iniciando gradualmente ao longo de semanas, meses ou abruptamente em poucos dias, já com sintomas psicóticos o que muitas vezes confunde com síndromes psicóticas. Além dos quadros depressivos e maníacos, há também os quadros mistos (sintomas depressivos simultâneos aos maníacos) o que muitas vezes confunde os médicos retardando o diagnóstico da fase em atividade.

Tipos

Aceita-se a divisão do transtorno afetivo bipolar em dois tipos: o tipo I e o tipo II. O tipo I é a forma clássica em que o paciente apresenta os episódios de mania alternados com os depressivos. As fases maníacas não precisam necessariamente ser seguidas por fases depressivas, nem as depressivas por maníacas. Na prática observa-se muito mais uma tendência dos pacientes a fazerem várias crises de um tipo e poucas do outro, há pacientes bipolares que nunca fizeram fases depressivas e há deprimidos que só tiveram uma fase maníaca enquanto as depressivas foram numerosas. O tipo II caracteriza-se por não apresentar episódios de mania, mas de hipomania com depressão.
Outros tipos foram propostos por Akiskal, mas não ganharam ampla aceitação pela comunidade psiquiátrica. Akiskal enumerou seis tipos de distúrbios bipolares.

→Fase maníaca

Tipicamente leva uma a duas semanas para começar e quando não tratado pode durar meses. O estado de humor está elevado podendo isso significar uma alegria contagiante ou uma irritação agressiva. Junto a essa elevação encontram-se alguns outros sintomas como elevação da auto-estima, sentimentos de grandiosidade podendo chegar a manifestação delirante de grandeza considerando-se uma pessoa especial, dotada de poderes e capacidades únicas como telepáticas por exemplo. Aumento da atividade motora apresentando grande vigor físico e apesar disso com uma diminuição da necessidade de sono. O paciente apresenta uma forte pressão para falar ininterruptamente, as idéias correm rapidamente a ponto de não concluir o que começou e ficar sempre emendando uma idéia não concluída em outra sucessivamente: a isto denominamos fuga-de-idéias.. O paciente apresenta uma elevação da percepção de estímulos externos levando-o a distrair-se constantemente com pequenos ou insignificantes acontecimentos alheios à conversa em andamento. Aumento do interesse e da atividade sexual. Perda da consciência a respeito de sua própria condição patológica, tornando-se uma pessoa socialmente inconveniente ou insuportável. Envolvimento em atividades potencialmente perigosas sem manifestar preocupação com isso. Podem surgir sintomas psicóticos típicos da esquizofrenia o que não significa uma mudança de diagnóstico, mas mostra um quadro mais grave quando isso acontece.

→Fase depressiva

É de certa forma o oposto da fase maníaca, o humor está depressivo, a auto-estima em baixa com sentimentos de inferioridade, a capacidade física esta comprometida, pois a sensação de cansaço é constante. As idéias fluem com lentidão e dificuldade, a atenção é difícil de ser mantida e o interesse pelas coisas em geral é perdido bem como o prazer na realização daquilo que antes era agradável. Nessa fase o sono também está diminuído, mas ao contrário da fase maníaca, não é um sono que satisfaça ou descanse, uma vez que o paciente acorda indisposto. Quando não tratada a fase maníaca pode durar meses também.

Exemplo de como um paciente se sente:

…Ele se sente bem, realmente bem…, na verdade quase invencível. Ele se sente como não tendo limites para suas capacidades e energia. Poderia até passar dias sem dormir. Ele está cheio de idéias, planos, conquistas e se sentiria muito frustrado se a incapacidade dos outros não o deixasse ir além. Ele mal consegue acabar de expressar uma idéia e já está falando de outra numa lista interminável de novos assuntos. Em alguns momentos ele se aborrece para valer, não se intimida com qualquer forma de cerceamento ou ameaça, não reconhece qualquer forma de autoridade ou posição superior a sua. Com a mesma rapidez com que se zanga, esquece o ocorrido negativo como se nunca tivesse acontecido nada. As coisas que antes não o interessava mais lhe causam agora prazer; mesmo as pessoas com quem não tinha bom relacionamento são para ele amistosas e bondosas.

Sintomas (maníacos):

Sentimento de estar no topo do mundo com um alegria e bem estar inabaláveis, nem mesmo más notícias, tragédias ou acontecimentos horríveis diretamente ligados ao paciente podem abalar o estado de humor. Nessa fase o paciente literalmente ri da própria desgraça.
Sentimento de grandeza, o indivíduo imagina que é especial ou possui habilidades especiais, é capaz de considerar-se um escolhido por Deus, uma celebridade, um líder político. Inicialmente quando os sintomas ainda não se aprofundaram o paciente sente-se como se fosse ou pudesse ser uma grande personalidade; com o aprofundamento do quadro esta idéia torna-se uma convicção delirante.
Sente-se invencível, acham que nada poderá detê-las.
Hiperatividade, os pacientes nessa fase não conseguem ficar parados, sentados por mais do que alguns minutos ou relaxar.
O senso de perigo fica comprometido, e envolve-se em atividade que apresentam tanto risco para integridade física como patrimonial.
O comportamento sexual fica excessivamente desinibido e mesmo promíscuo tendo numerosos parceiros num curto espaço de tempo.
Os pensamentos correm de forma incontrolável para o próprio paciente, para quem olha de fora a grande confusão de idéias na verdade constitui-se na interrupção de temas antes de terem sido completados para iniciar outro que por sua vez também não é terminado e assim sucessivamente numa fuga de idéias.
A maneira de falar geralmente se dá em tom de voz elevado, cantar é um gesto frequente nesses pacientes.
A necessidade de sono nessa fase é menor, com poucas horas o paciente se restabelece e fica durante todo o dia e quase toda a noite em hiperatividade.
Mesmo estando alegre, explosões de raiva podem acontecer, geralmente provocadas por algum motivo externo, mas da mesma forma como aparece se desfaz.

A fase depressiva

Na fase depressiva ocorre o posto da fase maníaca, o paciente fica com sentimentos irrealistas de tristeza, desespero e auto-estima baixa. Não se interessa pelo que costumava gostar ou ter prazer, cansa-se à-toa, tem pouca energia para suas atividades habituais, também tem dificuldade para dormir, sente falta do sono e tende a permanecer na cama por várias horas. O começo do dia (a manhã) costuma ser a pior parte do dia para os deprimidos porque eles sabem que terão um longo dia pela frente. Apresenta dificuldade em concentra-se no que faz e os pensamentos ficam inibidos, lentificados, faltam idéias ou demoram a ser compreendidas e assimiladas. Da mesma forma a memória também fica prejudicada. Os pensamentos costumam ser negativos, sempre em torno de morte ou doença. O apetite fica inibido e pode ter perda significativa de peso.

Generalidades

Entre uma fase e outra a pessoa pode ser normal, tendo uma vida como outra pessoa qualquer; outras pessoas podem apresentar leves sintomas entre as fases, não alcançando uma recuperação plena. Há também os pacientes, uma minoria, que não se recuperam, tornando-se incapazes de levar uma vida normal e independente.
A denominação Transtorno Afetivo Bipolar é adequada? Até certo ponto sim, mas o nome supõe que os pacientes tenham duas fases, mas nem sempre isso é observado. Há pacientes que só apresentam fases de mania, de exaltação do humor, e mesmo assim são diagnosticados como bipolares. O termo mania popularmente falando não se aplica a esse transtorno. Mania tecnicamente falando em psiquiatria significa apenas exaltação do humor, estado patológico de alegria e exaltação injustificada.
O transtorno de personalidade, especialmente o borderline pode em alguns momentos se confundir com o transtorno afetivo bipolar. Essa diferenciação é essencial porque a conduta com esses transtornos é bastante diferente.

Qual a causa da doença?

A causa propriamente dita é desconhecida, mas há fatores que influenciam ou que precipitem seu surgimento como parentes que apresentem esse problema, traumas, incidentes ou acontecimentos fortes como mudanças, troca de emprego, fim de casamento, morte de pessoa querida.
Em aproximadamente 80 a 90% dos casos os pacientes apresentam algum parente na família com transtorno bipolar.

Como se trata?

O lítio é a medicação de primeira escolha, mas não é necessariamente a melhor para todos os casos. Frequentemente é necessário acrescentar os anticonvulsivantes como o tegretol, o trileptal, o depakene, o depakote, o topamax.
Nas fases mais intensas de mania pode se usar de forma temporária os antipsicóticos. Quando há sintomas psicóticos é quase obrigatório o uso de antipsicóticos. Nas depressões resistentes pode-se usar com muita cautela antidepressivos. Há pesquisadores que condenam o uso de antidepressivo para qualquer circunstância nos pacientes bipolares em fase depressiva, por causa do risco da chamada “virada maníaca”, que consiste na passagem da depressão diretamente para a exaltação num curto espaço de tempo.
O tratamento com lítio ou algum anticonvulsivante deve ser definitivo, ou seja, está recomendado o uso permanente dessas medicações mesmo quando o paciente está completamente saudável, mesmo depois de anos sem ter problemas. Esta indicação se baseia no fato de que tanto o lítio como os anticonvulsivantes podem prevenir uma fase maníaca poupando assim o paciente de maiores problemas. Infelizmente o uso contínuo não garante ao paciente que ele não terá recaídas, apenas diminui as chances disso acontecer.
Pacientes hipertensos sem boa resposta ao tratamento de primeira linha podem ainda contar com o verapamil, uma medicação muito usada na cardiologia para controle da hipertensão arterial que apresenta efeito anti-maníaco. A grande desvantagem do verapamil é ser incompatível com o uso simultâneo do lítio, além da hipotensão que induz nos pacientes normotensos.

Fonte: http://www.psicosite.com.br/
          http://fastlove.wordpress.com

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sentirmo-nos bem com a idade que temos – A percepção subjectiva do envelhecimento e o sentimento de satisfação

São poucas as coisas que escapam às garras vorazes da moda e dos seus rituais. Se um especialista em marketing quisesse lançar a moda “ser idoso é bom” deparar-se-ia com inúmeras dificuldades. Não é fácil construir uma moda, quando o envelhecimento tem um potencial de atracção tão pouco visível e a moda, como todos os fenómenos que vivem de um glamur ao primeiro relance, precisa de um primeiro impacto favorável, senão mesmo cativante. Está na moda ser-se jovem, ter-se um corpo fantástico, ser-se um profissional brilhante e, nos últimos tempos, ter-se filhos.
Não devemos estar com rodeios. Ser forçado ao envelhecimento é ser-se encurralado num beco sem saída, do qual não se pode fugir sem um exercício intenso e profundo de criatividade. Apregoar a beleza do envelhecimento, é, num certo sentido, tapar o sol com a peneira. É possível que especialistas em Marketing possam, não sem esforço, como dizia anteriormente, lançar a moda “ser idoso é bom”, mas a experiência subjectiva de um tempo que se escoa, de uma vida que já foi em parte vivida e que não pode ser re-vivida é penosa e exige um esforço enorme por parte do psiquismo para que se alcance um qualquer ajuste. Lentamente, o trabalho da psicologia do desenvolvimento tem vindo a recolher os seus frutos e é, hoje, já possível, descortinar uma linha ou até mesmo uma corrente que remando contra a maré, mostra que o envelhecimento é uma fase da vida como qualquer outra, nem pior, nem melhor, apenas diferente. Contudo, contrariamente à adolescência ou até mesmo à idade média, a idade avançada traz consigo um pessimismo difícil de contrariar porque coloca na linha da frente a relação do sujeito com a angustia de morte. As questões relativas à angustia de morte estão presentes em todos nós, desde sempre, mas a proximidade probabilistica da morte real, coloca o sexagenário e o septuagenário no centro de um furacão onde voam os mais intensos receios de auto destruição e destruição do outro. Querer lidar com a idade avançada sem lidar com a expectativa de morte, nas suas mais variadas formas é, na nossa opinião, estar na posição do gato escondido com o rabo de fora. Estamos habituados, num certo sentido, a conviver com a imagem adocicada das avózinhas profundamente altruístas e hiper-disponiveis para os netos e com a ideia estereotipada do ancião sábio que partilha com os mais novos os vastos e profundos conhecimentos sobre a vida; mas a realidade mostra-nos que são poucas as pessoas que conseguem alcançar essa docilidade e disponibilidade. A maior parte das pessoas envelhece com uma dose elevada de amargura e, mesmo quando a conseguem negar ou disfarçar, ela mostra a cara numa comunicação queixumenta, hipocondríaca e manipuladora.
Evitar a amargura, a zanga e o ressentimento na idade avançada implica a existência de uma capacidade de estar em contacto consigo próprio muito desenvolvida e uma elaboração bem conseguida das mais aterrorizantes angustias, assim como a manutenção da eficácia dessa mesma capacidade de elaboração e matabolização das emoções. Esta tarefa é tão difícil que alguns autores defendem inclusivamente que perante as dificuldades emocionais colocadas pelo envelhecimento, a mente menos bem preparada, pode sucumbir sobre a forma demencial. Diz a autora (GoldFarb): “O fracasso do processo de elaboração da finitude, o desinvestimento dos vínculos, e a fragilidade ante as vicissitudes do processo de envelhecimento, podem provocar estados depressivos , dos quais é possivel de fugir por meio de um esquecimento radical e violento, ou seja, pelo processo demencial” Não partilhamos, pelo menos de imediato, de uma posição tão radical, mas não temos a menor dúvida de que ser capaz de lidar com a expectativa da morte é a alavanca de arquimedes, para o sentimento subjectivo de satisfação com a idade que se tem.
Sentir-se bem com a idade que se tem é uma tarefa simultaneamente atemporal e muito bem circunscrita no tempo. Atemporal porque é fundamental em qualquer fase da vida e bem circunscrita no tempo porque é determinante a relação da pessoa com esse momento particular e especifico que vive. A noção e a consciência da finitude desorganiza uma serie de construções que a pessoa foi fazendo ao longo da idade média, construções essas que assentavam muitas vezes na ideia inconsciente de imortalidade. Confrontado com o aumento progressivo das suas dificuldades e empurrado contra as malhas estreitas da finitude, o sexagenário e o septuagenário, olha para o mundo e para si próprio com apreensão e por vezes desespero. Sair deste buraco estreito torna-se mais fácil quando existem pontos de apoio e rampas de lançamento. O apoio psicológico especializado, a par do apoio social e familiar são as estruturas que, se devidamente disponibilizas, funcionam como eixos de agregação de um self fragilizado e em esforço.
Sentir-se bem com a idade que se tem é essencial para um envelhecer saudável. Quando a pessoa atingiu uma idade avançada e sempre arrastou consigo um mal-estar relativo à vivência subjectiva da sua idade - quando era criança não gostava ou não sabia ser criança, quando era adolescente não gostava de o ser e ansiava ser novamente criança ou rapidamente adulto, quando adulto queria regressar à infância ou à liberdade fantasiada da adolescência – há um agravamento muito substancial desse mal-estar. Ser-se capaz de conviver bem com a idade que se tem é uma tarefa que se inicia na mais tenra infância, mas que ganha contornos particularmente importantes quando se chega a idades avançadas. Viver-se bem quando se toma consciência aguda da finitude e da degradação progressiva do corpo é muito difícil; as reacções mais habituais são: a dependência, o desespero ou a negação. Mas o caminho do desespero e da negação é o caminho de muitos problemas e complicações e o caminho da dependência leva a uma quase morte antecipada. Como envelhecer sem desesperar, sem negar as nossas limitações e dificuldades e simultaneamente sem nos tornarmos excessivamente dependentes? Ao longo desta apresentação iremos tentar expor uma resposta possível para esta pergunta. Não é a única resposta possível, é apenas uma e serve para pensarmos um caminho e não para definirmos um caminho.
Consideramos, seguindo a linha de pensamento psicanalitica iniciada por Wilfred Bion que o sujeito humano durante toda a sua vida é permanentemente colocado perante a decisão primordial de tolerar ou evitar a dor psíquica. Esta decisão pode ter repercussões complicadas ao nível do desenvolvimento e correcto funcionamento do aparelho para pensar pensamentos. De acordo com o autor anteriormente referido, quando a pessoa não é capaz de tolerar a frustração o tempo suficiente para entrar em contacto com o não-objecto vê-se perante a contingência de evacuar, via identificação projectiva, a emoção não tolerada. Esta evacuação precipitada é sentida como prazer uma vez que livra a mente do contacto com a emoção dificilmente suportada ou seja a frustração. Apesar do alivio imediato que proporciona a evacuação da emoção penosa não resolve o problema do contacto com a frustração a não ser no seu nível mais imediato, porque não se organiza nenhum tipo de alteração, nem interna, nem externa, que permita modificar as causas que estão subjacentes ao fenómeno que gera essa mesma frustração. Pelo contrario, ser-se capaz de tolerar a frustração um tempo mínimo, empurra a mente no sentido da procura de uma solução eficaz para lidar com aquela emoção ou problema. Bion considera que é sobre a pressão dos pensamentos que preexistem e do contacto com a frustração que se origina o aparelho para pensar os pensamentos e que a existência deste aparelho faz com que a pessoa tenha à sua disposição uma ferramenta incrivelmente útil para elaborar as emoções e dessa forma aprender com a experiência. De acordo com os princípios propostos por esta teoria do funcionamento da mente, torna-se claro, que o aprender com a experiência é a “grande vitória” do homem sobre a vida. Quero com isto dizer que em qualquer fase da vida, aquilo que é primordial é a capacidade que o sujeito tem para aprender com e na experiência. Não se trata, como noutras correntes, em destacar a satisfação ou a frustração nesta ou naquela área da vida como o grande indicador da qualidade de vida, mas em pensar-se a mente humana como tendo uma estrutura profundamente dinâmica cuja a matriz de base está permanentemente em alteração, mas que mesmo assim mantém a sua competência enquanto instrumento que viabiliza a aprendizagem com a experiência. Se nos centrarmos nesta linha de pensamento conseguimos olhar para as questões relacionadas com o envelhecimento e pensá-las de acordo com toda a sua especificidade e simultaneamente retirá-las de um campo marginal. Queremos com isto dizer, que pensar as questões do envelhecimento é situá-las num eixo temporal e simultaneamente assumi-las como intemporais. O cruzamento destes dois eixos pode parecer numa primeira leitura impossível e assentar num julgamento paradoxal e por isso irracional, mas uma análise mais atenta e cuidada permite-nos perceber que é precisamente no ponto em que se cruzam estes dois eixos que o envelhecimento consegue ser apreendido com um maior grau de profundidade e realidade.
Aprender com a experiência é uma actividade profundamente dinâmica e criativa tão importante para o bebé recém-nascido como para a pessoa de idade avançada. Deixar de se abrir à experiência e tornar-se emocionalmente indiferente e insensível à experiência interna e externa é abrir a porta para o abismo escuro da alienação. Pensamos que o psiquismo não avança nem se modifica por saltos abruptos, mas sim, de forma progressiva e contínua, neste sentido, pensamos que a capacidade para aprender com a experiência que uma pessoa de idade avançada apresenta num dado momento está intimamente correlacionada com a utilização que fez dessa mesma capacidade ao longo de toda a sua vida. Uma pessoa que tenha, ao longo da sua vida, aprendido a desenvolver esta capacidade e a tenha utilizado de forma ágil e permanente estará em melhores condições para o continuar a fazer numa idade mais avançada. Contudo, se durante a sua vida foi revelando dificuldades em desenvolver a capacidade para aprender com a experiência, quando é confrontado com as exigências inerentes ao envelhecimento, as dificuldades podem tornar-se ainda mais agudas e quase intransponíveis. Uma das imposições do envelhecimento é uma redução mais ao menos acentuada da intensidade das percepções, há uma diminuição da acuidade visual e auditiva, um aumento do limiar de tolerância à dor, uma perda de sensibilidade táctil e um aumento das dificuldades de locomoção. Este conjunto de perdas origina uma redução, que em certas situações pode ser muito significativa, de inputs sensoriais externos. Os inputs sensoriais externos são a nossa fonte primária de estimulação e dependemos dela em grande parte para alimentar a nossa mente, a nossa vida interior. Quando se dá uma redução da intensidade, frequência ou variedade destes inputs, a pessoa fica numa situação particularmente delicada, na medida em que fica mais sujeita, por um lado, a “desligar-se” do meio-externo que deixa de lhe parecer tão interessante e estimulante e, de outro lado, fica particularmente sujeita à estimulação interna, seja ela sob a forma de percepções do interior do seu corpo, seja sobre a forma de pensamentos, memórias e emoções.
Neste contexto é evidente que a existência de uma vida interior rica, cheia de memórias, fantasias, curiosidades e interesses, irá alimentar a mente e a redução dos inputs sensoriais não será vivido como uma verdadeira perca, mas como a possibilidade de se recolher mais sobre si próprio e contemplar a sua vida, é uma altura em que o desejo de escrever as suas memórias poderá ser mais intenso, ou poderá dedicar-se a tarefas mais solitárias, igualmente gratificantes, como seja, ler, ouvir musica, ir a espectáculos, passear, etc. Dado que são actividades que poderá realizar ao seu próprio ritmo. Mas pelo contrário, se a vida interior for pobre ou cheia de conflitos e angustias, essa será uma altura em que a redução dos inputs sensoriais será vivido como uma perda irreparável e a pessoa tenderá a aferroar às impressões sensoriais que ainda continuam fortes e que ganharam um interesse acrescido porque banhadas pela angústia depressiva ou até de eventualmente de morte. Nestas situações vemos desenvolverem-se os quadros “hipocondríacos” em que o interior do corpo e as suas alterações são vividas com aflição, na expectativa, aterrorizante e quase desejante, de que algo de trágico poderá surgir e arrastá-los para a morte certa. Ou observamos o agravamento dos quadros obsessivo-compulsivos que compelem a pessoa a retrair-se cada vez mais, em movimentos circulares e redundantes, com preocupações excessivas com a limpeza ou o seu oposto, desinteresse constrangedor pelo acumulo de lixo, ou ainda, preocupações alimentares e ruminações intelectuais sobre as grandes questões do universo. A luta contra a solidão é em primeiro lugar uma luta interna, entre o desejo de estar acompanhado e o sentimento de insatisfação quando acompanhado. O afecto depressivo faz com que a pessoa se desinteresse ainda mais dos outros, a não ser, que entre ela e o outro se dê uma empatia extrema. Empatia essa que, na maioria dos casos, é a afirmação de um solipsismo e a necessidade de ter um ouvinte ou uma plateia que possam conter e elaborar a torrente de emoções e convicções que lhe fazem companhia nas “intermináveis” horas em que fica acordado.
Pensamos que uma grande parte destas situações clinicamente identificáveis poderão ser amenizadas através de um trabalho psicoterapeutico adequado conjuntamente com intensa estimulação social e suporte familiar de qualidade. Consideramos que o desenvolvimento da Psicogerontologia Clinica numa vertente psicodinâmica é indispensável como forma complementar ao extraordinário trabalho desenvolvido pela Psicogerontologia Desenvolvimental. A Psicogerontologia na perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento tem trilhado um caminho muito importante nas áreas em que a saúde mental prevalece e fundamentalmente ao nível da prevenção e sustentação de um envelhecimento com qualidade. Pensamos que o estudo da Psicopatologia na idade avançada está ainda no seu inicio, tendo havido um interesse particular pela Depressão e pelas patologias cerebrais, nomeadamente deficits de memória, Alzeimer e outras perturbações demenciais. Contudo, consideramos que ainda está por fazer um profundo trabalho de investigação. Esperamos que este nosso texto seja um contribuição, mesmo que muito pequena, para o aprofundar do pensamento daquilo a chamámos a Psicogerontologia Clinica.




Bibliografia
  • Barros de Oliveira, José H. Psicologia do Envelhecimento e do Idoso. Livpsi
  • Bion, Wilfred R. (1967) Second Thoughts. Heinemann
  • Bion, Wilfred R. Attention and Interpretation. Tavistock
  • Bion, Wilfred R. Elements of Psycho-Analysis. Heinemann
  • Bion, Wilfred R. Learnig from Experience. Heinemann
  • Bion, Wilfred R. Transformation. Heinemann
  • Charazac, Pierre. Introdução aos Cuidados Gerontopsiquiátricos. Climepsi
  • Fernandes, Purificação. A Depressão no Idoso. Quarteto
  • Fonseca, António Manuel. Desenvolvimento Humano e Envelhecimento. Climepsi
  • Fontaine, Roger. Psicologia do Envelhecimento. Climepsi
  • Goldfarb, Delia. (2004) Do tempo da Memória ao Esquecimento da História: Um estudo Psicanalitico das Demências. Tese de Doutoramento. São Paulo
  • Messina, Monica. Dimensões do envelhecer na contemporaidade. Trabalho apresentado no 2º encontro temático em Gerontologia em Agosto de 2002. Rio de Janeiro
  • Ortiz, Luis Agüera; Carrasco, Manuel Martín; Ballesteros, Jorge Cervilla. (Org) (2002) Psiquiatría Geriátrica. Barcelona: Masson
  • Spar, James E., La Rue, Asenath. Guia de Psiquiatria Geriátrica. Climepsi
Texto de Ana Almeida
             
Psicóloga Clinica
              Psicoterapeuta (Psicoterapia Psicanalítica)
              Mestre em Psicologia Clinica e Psicopatologia
              Membro da SPP e da APP
              Directora Clínica da PsiCronos

quinta-feira, 10 de março de 2011

Personalidade Introvertida (Timidez)


Há pessoas, extrovertidas, animadas, barulhentas e comunicativas, outras são retraídas, tímidas e muito preocupadas com a opinião dos demais. Essas diferenças fazem parte das diferenças entre os tipos psicológicos; extrovertidos e introvertidos.
Sempre que alguém fala em tratar a Timidez ou a maneira de ser do introvertido, a primeira coisa a ser questionada é se essa característica precisa ser tratada. Se for "tratável" significa que a timidez é uma doença ou uma condição mórbida.
Dentro do Critério Estatístico, um dos critérios usados para o diagnóstico médico, devemos ter em mente o seguinte: nem sempre o habitual é normal ou ainda, nem sempre o excepcional é patológico. Portanto, as exceções à regra estatística devem ser valorizadas inicialmente como, simplesmente, Não-Normais, de forma a tornar este critério estatístico apenas relativamente válido. Os dentes cariados, por exemplo, embora muito freqüentes e habituais não são dentes normais, assim como a gravidez de gêmeos, apesar de não-normal, não chega a ser uma doença.
De um modo geral, o Critério Estatístico deve servir para destacar da população geral o não-habitual, o diferente ou o não-normal e, isoladamente, isso não é suficiente para autorizar declarar este incomum como doença. O próprio sistema cultural vigente se incumbe de argüir os comportamentos que excedem os limites da suposta faixa de normalidade e os pensamentos que escapam de uma pretendida faixa de coerência e realismo.
Desta forma, ou seja, estatisticamente, os comportamentos são considerados bizarros, inadequados, esquisitos, aberrantes, etc, ou os pensamentos incoerentes, sem nexo, irreais. As afirmações populares de que "... fulano não fala coisa-com-coisa..." ou que "... fulano se comporta de maneira estranha" são avaliações motivadas pelo Critério Estatístico.

Introvertido e Extrovertido
O Critério Estatístico, que é aquele onde o introvertido é tido como diferente dos demais, somente terá valor depois de consideradas todas as variáveis: situacionais, sócio-culturais, temporais e existenciais. Há culturas onde a pessoa contida e reservada tem valor positivo, em outras exige-se a expansividade e assim por diante. Por isso, não deve ser atribuído a este Critério Estatístico de diagnóstico um caráter decisivo mas sim, subsidiário, o qual só terá valor se for considerado juntamente com outros critérios, incluindo o principal deles; o Critério Valorativo.
No Critério Valorativo a quantidade dá lugar à qualidade. Trata-se de saber se aquilo que é incomum implica em prejuízo e morbidade, se é de fato patológico e causa sofrimento. Pelo Critério Valorativo podemos considerar que, em não havendo prejuízo ao indivíduo, aos seus semelhantes e ao sistema sócio-cultural, toda pessoa que se destaca dos demais não pode ser considerada doente.
No critério valorativo interessa o VALOR que o sistema sócio-cultural atribui à maneira do indivíduo existir. E é por causa do valor cultural seriamente prejudicado que se atribui aos introvertidos e tímidos que essas pessoas se sentem diminuídas e ávidas por algum "tratamento" que as deixe iguais às outras, mais expansivas. Podemos comparar a necessidade de "tratamento" para a Timidez à necessidade de "tratamento" para cabelos crespos das adoelescentes, ou seja, muito mais uma exigência cultural que uma necessidade patológica.
Enquanto o Critério Estatístico utiliza termos como incomum, infreqüente, desproporcional, raro, fora do comum ou diferente, no critério valorativo os adjetivos serão outros. Esses termos dizem mais respeito à qualidade que à quantidade: mórbido, nocivo, indesejável, prejudicial, degenerado, deficiente, sofrível, cruel, irracional, desadaptado e assim por diante.
A Organização Mundial de Saúde diz que o completo estado de bem estar físico, mental e social define o que é saúde, portanto, tal conceito implica num critério valorativo, já que, tanto o bem-estar quanto o mal-estar, dizem respeito a valores.
A timidez, por exemplo, tendo em vista sua grande ocorrência universal (quase metade das pessoas), poderia ser considerada normal (de tão habitual), do ponto de vista estatístico. Porém, devido ao fato de tratar-se de uma atitude da personalidade que traz prejuízo social ou faz com que o introvertido se sinta inferior ou infeliz, acaba por receber da psiquiatria uma atenção de doença (embora seja sim uma característica e não uma doença).
Muito embora a introversão ou timidez seja um traço de personalidade, devido à valorização cultural que se atribui a ela, poderá proporcionar sério prejuízo à qualidade de vida da pessoa, levando a algum grau de sofrimento, portanto, uma certa morbidez. É por isso que a depressão, apesar de muito comum, ser patológica.
Se vamos falar da Personalidade, tomando-a pelo conjunto dinâmico de traços no interior do eu, é bom destacar a idéia de que nenhum ser humano mostrará, em sua personalidade, traços que já não existam em outros indivíduos. Portanto, a introversão ou timidez aparece em graus variáveis em todas as pessoas, sendo que os extrovertidos têm esse traço muito atenuado e os introvertidos o tem predominantemente. Pois bem. É exatamente a predominância de alguns traços e a atenuação de outros que acaba por constituir a personalidade de cada um do jeito que ela é.
O sistema sócio-cultural costuma elaborar uma relação muito extensa de adjetivos utilizados para a argüição dos indivíduos baseado na descrição de seus traços. Nesta visão o indivíduo pode ser classificado como sincero, honesto, compreensivo, inteligente, cálido, amigável, ambiciosos, pontual, tolerante, irritável, responsável, calmo, artístico, científico, ordeiro, religiosos, falador, excitado, moderado, calado, corajosos, cauteloso, impulsivo, oportunista, radical, pessimista, e por aí afora. Podemos ainda considerar a pessoa através de seu Traço Predominante, da característica que melhor a define, como se, entre tantos traços caracteristicamente humanos, este determinado traço específico predominasse sobre os demais. Assim é classificado o tímido ou introvertido.
Em termos de traços e características de personalidade, o estado que podemos chamar de anormal deve, com freqüência, surgir como se fosse uma lente de aumento colocada sobre os traços normais. Nessa abordagem nos interessará, como traço de personalidade, apenas um aspecto; a maneira pela qual a pessoa contata o mundo à sua volta, a maneira pela qual a pessoa interage com o mundo objectual à sua volta, enfim, a maneira pela qual o sujeito se relaciona com o objeto. Isso definirá as pessoas ditas Introvertidas e as Extrovertidas.


Personalidade Tipo Introvertida
Como o nome diz, Introvertida é a pessoa que se orienta predominantemente para dentro, para a introspecção, se orienta mais para o subjetivo que para o objetivo. A pessoa introvertida sempre elabora uma opinião subjetiva a partir da percepção do objeto (do mundo), de forma que este tenha, além daquilo que é oferecido pelos órgãos dos sentidos, também e principalmente um caráter subjetivo.
Embora a pessoa com predisposição introvertida também observe as condições exteriores e objetivas, ela elege as determinações subjetivas como os elementos decisivos do existir, portanto, apesar de ser uma pessoa que também se orienta pelos elementos da percepção e do conhecimento, como todo mundo, ela supervaloriza o componente subjetivo que ultrapassa a excitação fisiológica dos sentidos.
Quando, por exemplo, duas pessoas se deparam com um mesmo objeto, nunca se poderá afirmar que elas o percebem de maneira idêntica. Mesmo deixando de lado as diferenças sensoriais e fisiológicas que existem entre nós (uns enxergam melhor, ouvem melhor, etc), sempre existirão muitas e profundas diferenças na natureza, no significado e na representação psíquica percebida e assimilada. Enquanto a personalidade extrovertida se prende predominantemente àquilo que recebe sensorialmente do mundo (objeto), o introvertido se prende, sobretudo, à impressão subjetiva que o objeto é capaz de produzir nele.
A forma de se relacionar com a realidade da pessoa introvertida mostra que suas percepções e seu conhecimento se encontram não só condicionados pelos órgãos dos sentidos (objetivamente) mas, também, subjetivamente condicionados pelo seu perfil. Para se entender melhor o "subjetivo", digamos que seria o acontecimento, a ação ou a reação psicológica causada pela influência do objeto no psiquismo de cada um, seria uma mudança íntima, a partir de nossa experiência com o objeto, capaz de produzir um novo estado psíquico. Isso é o "subjetivo". Por causa do elemento subjetivo é que um mesmo quadro, paisagem ou objeto despertará diferentes impressões nas diferentes pessoas que os apreende.
Devido à supervalorização do conhecimento objetivo preconizado pelo mundo moderno, os dotes sentimentais e afetivos das pessoas, qualidades estas capazes de atribuir peculiaridades pessoais à todo tipo de conhecimento, acabam sendo desvalorizados. Hoje em dia é comum valorizar-se exageradamente o contacto objetivo (extrovertido) com as coisas, com as formas, com as cores, com os preços, os tamanhos, etc, etc, de tal forma que a palavra "subjetivo" representa, às vezes, uma espécie de censura à racionalidade pretensamente desejável às pessoas ditas normais.
A disposição subjetiva dos introvertidos atém-se à uma estrutura psicológica pessoal (temperamento) que, em princípio, nos é dada por herança e constitui uma característica inerente à pessoa. Na realidade, trata-se de uma sensibilidade psicológica do sujeito que se apresenta antes mesmo do desenvolvimento completo de sua personalidade. Por isso se diz inata.
Nos introvertidos o objeto, os fatos e a realidade concreta provocam manifestações emocionais subjetivas mais fortes que as concepções objetivas que se pode ter deles. Portanto, as concepções subjetivas dos introvertidos são mais poderosas que a influência do próprio objeto e o valor psíquico dessas concepções subjetivas sobrepõem-se a toda e qualquer impressão sensorial ou objetiva que se tem do próprio objeto.
Da mesma forma que para os extrovertidos possa parecer inconcebível que um conceito subjetivo se sobreponha à situação objetiva dos fatos, aos introvertidos também parecerá inconcebível que os valores objetivos dos fatos (objetos) tenha de ser um fator decisivo. Essas posições antagônicas dependem da sensibilidade de cada tipo de personalidade.
Por causa dessa discrepância no contacto com a realidade o extrovertido acabará acreditando que o introvertido é egoísta, vaidoso ou arrogante ideológico. Parecerá ao extrovertido que o introvertido age sob a influencia de idéias, conceitos, valores éticos, morais, culturais ou mesmo poéticos. O introvertido, devido a sua maneira determinada, normatizadora, francamente generalizadora e, tendo opiniões bem definidas sobre as coisas, será capaz de despertar ainda mais o preconceito dos extrovertidos. A determinação e rigidez do juízo, comuns ao introvertido em relação a tudo que for objetivamente dado, costumam dar a impressão de um forte egocentrismo.
Um exemplo tosco da diferença introvertido-extrovertido seria a sensibilidade necessária ao introvertido para compor uma música e a facilidade do extrovertido em dançar essa música. O arranjo de notas seria o objeto, além do qual exerce sua sensibilidade e subjetivismo o introvertido. A apreensão rítmica (captação do objeto) e coordenação motora é habilidade própria do extrovertido.

A Dificuldade com o Novo
A superioridade do fator subjetivo na consciência do introvertido resulta uma subvalorização do fator objetivo e, desta forma, o objeto não tem para ele a mesma importância que deveria ter para os extrovertidos. Nos extrovertidos o objeto desempenha uma função excessivamente importante e, nos introvertidos é diminuto.
Um fator de risco no relacionamento dos introvertidos com o mundo está no conflito desgastante, por um lado, entre a tendência de se imporem subjetivamente aos objetos, a ponto de até se divorciarem destes e, por outro lado, a força das inegáveis, reais, concretas e avassaladoras impressões provenientes do mundo objectual que nos rodeia. Chega um ponto onde o introvertido acaba se prejudicando por menosprezar o objetivismo necessário ao bom andamento da vida, necessário para sua adaptação prática ao mundo e à vida.
Contra a vontade do introvertido, o objeto da vida prática finalmente acaba por impressioná-lo uma hora ou outra, e provoca nele os efeitos mais incômodos e impertinentes. Esses objetos do concreto cotidiano acabam por subtrair-lhes a liberdade de espírito, impondo-lhes algemas da dependência material e econômica. Diante da angústia da impressão que o objeto prático exerce sobre si, o introvertido experimenta uma peculiar "covardia", ou seja, um receio de impor sua própria personalidade ou impor sua própria opinião. Por conseguinte, a relação da pessoa introvertida com o objeto torna-se primitiva e temerária, e os objetos novos provocam medo e desconfiança.
Assim sendo, o introvertido tem mais dificuldades de adaptar-se ao novo que os extrovertidos e, para ele, os objetos estão sempre solidamente presos à alma, pois toda e qualquer alteração no habitual provoca um efeito perturbador, quando não perigoso. Com isso, o pragmatismo da pessoa introvertida é algo mais difícil que da pessoa extrovertida.

Particularidades das Funções Psicológicas

O Pensamento
O pensamento introvertido se orienta, como dissemos, pelo fator subjetivo. Este pensamento se encontra representado por um sentimento subjetivo que, em última análise, é determinado pelo juízo crítico da pessoa. As coisas objetivas com que mantém contacto e as experiências concretas podem enriquecer seu conteúdo subjetivo, mas nem sempre favorecem a prática objetiva (pragmatismo). Nos introvertidos os eventos exteriores, ao contrário dos extrovertidos, não são a causa e o fim do pensamento, seu raciocínio começa e termina sempre no sujeito e não no objeto.
O pensamento introvertido também pode tratar das grandezas concretas ou abstratas, mas, nos momentos decisivos, orienta-se sempre pelo subjetivamente experimentado. O conhecimento novos fatos tem valor indireto para o introvertido. Esses fatos novos facilitam-lhe novos pontos de vista, e estes novos pontos de vista são mais importantes do que os fatos propriamente ditos. A pessoa introvertida costuma equacionar problemas e teorias, costuma fornecer visões e sugestões, mas conserva sempre uma atitude prudente e reservada ante os fatos novos. Aceita-os como ilustração e exemplo, mas não lhes concede preponderância sobre o subjetivamente conhecido.
Com esta maneira de pensar, os fatos objetivos e concretos são de importância secundária para o introvertido. Neles sempre predomina o valor da idéia subjetiva, da imagem simbólica, das entrelinhas e da visão íntima das coisas. Esse tipo de pensamento é capaz de produzir idéias bastante abstratas e que não residem exclusivamente nos fatos, são idéias que expressam sua abstração mais íntima. O experimentado pelo introvertido não é apenas objetivo e concreto, como tende a ser aos extrovertidos, mas também simbólico e subjetivo.
A diferença entre o pensamento introvertido e extrovertido seria o mesmo que existe entre o filósofo Kant e o biólogo Darwin. Um lidando com o subjetivo e outro investigando profundamente o objetivo. Como se vê, o mundo precisa dos dois tipos.
A despeito da plena capacidade de abstração dos introvertidos, muitas vezes seu pensamento pode revelar uma perigosa tendência para forçar os fatos a submeterem-se e se conformarem à imagem subjetivamente pré-formada, ou a ignorá-los para que possa expor a imagem subjetivamente criada em sua fantasia subjetiva.
A possibilidade de distanciar-se da realidade dos fatos é ameaçada nessas pessoas, tanto quanto é ameaçada, em sentido oposto, nos extrovertidos. Estes últimos são capazes de negar a essência dos fatos por insensibilidade ao além-objeto, à abstração irreal e existente. Assim sendo, do mesmo modo que o pensamento extrovertido nem sempre consegue obter um conceito reflexivo e eficaz da experiência, também o pensamento introvertido pode não conseguir aproximar-se da objetividade da realidade real.
As opiniões dos introvertidos tendem a ser mais contundentes que dos extrovertidos, uma vez que a força das convicções, por serem subjetivas, costuma ser tanto maior quanto menos estiver em contato direto com os fatos objetivos. Mas essas opiniões introvertidas podem perder-se com facilidade na imensidão das idéias e dos fatores subjetivos. O introvertido cria teorias pela simples vontade e afinidade de criar teorias, e aí surge uma acentuada tendência para saltar facilmente do ideal para o meramente imaginário.
Nesses extremos, o pensamento introvertido que se distancia dos objetos, pode se tornar tão estéril quanto o pensamento extrovertido, que não consegue ir além dos fatos objetivamente dados.

O Sentimento
O sentimento introvertido é, como tudo nele, principalmente determinado pelo fato subjetivo. Na questão do sentimento existe uma diferença tão essencial, em relação ao sentimento extrovertido, quanto a que existe entre a introversão e a extroversão do pensamento.
Como o sentimento introvertido está subordinado às condições subjetivas, prendendo-se secundariamente ao objetivo, é normal que ele se manifeste menos e mais dificilmente e, quando se manifesta, costuma ser incompreendido pelas pessoas não introvertidas.
O sentimento introvertido parece desvalorizar os objetos e o mundo objectual, portanto, pode fazer-se sentir mais negativamente que de maneira positiva. Dessa forma, a existência de um sentimento positivo nas pessoas introvertidas terá de ser suspeitado ou percebido indiretamente. Nessas pessoas o silêncio, muitas vezes, representa o mais expressivo elogio. O introvertido parece estar mais insatisfeito que satisfeito com a realidade, ele está sempre à procura de uma imagem ideal que não se encontra na realidade concreta mas que, em certa medida, fora desejável.
Esse tipo de sentimento pode tornar o introvertido uma pessoa taciturna, de difícil acesso sentimental ou portador de uma notável indiferença. Se o pensamento subjetivo do introvertido determina dificuldades de compreensão adequada às pessoas extrovertidas, o mesmo se poderá dizer de seu sentimento subjetivo. O sentimento introvertido tende sempre a libertar-se do objeto e criar um vínculo subjetivo com este e, em determinados casos, acaba por desembaraçar-se de tudo o que for objetivamente tradicional. Daí observarmos, às vezes, maneiras muito incomuns dos introvertidos manifestarem seus sentimentos.

A Percepção
Também a percepção, que em essência tem de estar fortemente atrelada ao objeto e à excitação objetiva, sofre uma transformação notável na pessoa introvertida. Na percepção do introvertido há um fator subjetivo, portanto, além do objeto a ser percebido existirá um sujeito que percebe e que fornece sua disposição pessoal subjetiva para a excitação neurofisiológica. Na disposição introvertida, o ato perceptivo se baseia, sobretudo, na participação subjetiva da percepção.
Essas questões subjetivas e perceptuais podem ser explicadas, da maneira mais clara, pelas obras de arte que reproduzem subjetivamente os objetos exteriores. Se, por exemplo, vários pintores se esforçassem em reproduzir fielmente a mesma paisagem, os quadros seriam, apesar da paisagem ser a mesma, muito diferentes entre si. Essa diferença não será só devida à capacidade artística maior ou menor mas, principalmente, por causa das diferentes visões subjetivas do mesmo objeto.
Inclusive, algumas pinturas denunciarão uma nítida diferenciação psíquica, quer seja no estado de ânimo, na sensibilidade para o movimento, para a cor e formas, e assim por diante. Essas qualidades apontam uma intervenção mais ou menos intensa do fator subjetivo.
O fator subjetivo da percepção no introvertido vem a ser o mesmo que nas outras funções psíquicas. Trata-se de uma disposição de personalidade capaz de alterar a percepção sensorial, remetendo-a além do caráter puramente objetivo. Neste caso, a percepção se refere, sobretudo, ao sujeito e não exclusivamente ao objeto.
Embora no introvertido exista, sem dúvida alguma, uma autêntica percepção sensorial, os objetos são vistos de modo completamente distinto dos extrovertidos. Na realidade, o sujeito introvertido percebe as coisas que todo mundo percebe, mas não se detém na pura influência do objeto, preferindo ater-se à percepção subjetiva suscitada pelo objeto. Portanto, a percepção subjetiva é acentuadamente distinta da objetiva.
Para o introvertido, o fator subjetivo de alguma coisa diz muito mais do que a simples imagem do objeto. A percepção subjetiva do introvertido apreende, pois, muito mais o fundo do que a superfície do mundo físico objectual. Ele não percebe a realidade do objeto como fator decisivo em seu destino, mas sim, a realidade do fator subjetivo das coisas, tal como seria apreendido por uma consciência muito amadurecida. Dessa forma, o fator significativo das coisas diz mais respeito à percepção subjetiva que objetiva. A percepção introvertida veria o nascer e morrer das coisas, sua origem e conseqüência, sua finalidade e destinação, muito mais que sua cor, sua forma, seu preço, seu valor prático.
Assim, a percepção introvertida capta uma imagem além da reprodução fotográfica do objeto, ela é vinculada à experiência, ao sentimento e à suposição da experiência futura. A mera impressão sensorial desenvolve-se, pois, nas profundezas desse pressentimento, ao passo que a percepção extrovertida tende a apreender o objeto momentâneo e claramente manifesto das coisas.

A Intuição
Na pessoa introvertida a intuição se prende aos objetos interiores, ou seja, aos elementos do inconsciente. Os objetos interiores se comportam, em relação à consciência, de modo análogo aos objetos exteriores, apesar da sua realidade não ser física, mas sim psicológica.
Os objetos interiores apresentam-se à percepção intuitiva como imagens subjetivas de coisas que não podem ser observadas na experiência exterior, pois constituem o conteúdo do abstrato do inconsciente. Naturalmente, o conteúdo do inconsciente, por sua própria essência, é inacessível a toda e qualquer experiência concreta e objetiva. Tal como a percepção, a intuição também tem um forte fator subjetivo, o qual se converte numa grandeza decisiva ao introvertido. Por outro lado, na intuição extrovertida, esse fator subjetivo da intuição costuma estar reprimido ao máximo, devido à dificuldade que tem esse tipo de personalidade em representar o subjetivo.
Na prática, um introvertido ao sentir-se atacado de uma tontura, normalmente de natureza psicológica, sua percepção se detém nas características particulares dessa perturbação, percebendo todas suas qualidades, sua intensidade, seu processo temporal, seu modo de se apresentar, com todos os seus pormenores.
Sua intuição receberá da percepção o impulso necessário para ultrapassá-la, percebendo rapidamente uma imagem subjacente que a tontura, provocou. Ele terá a visão de um homem cambaleante, com uma flecha cravada no coração, com uma ameaça de derrame cerebral, de uma morte iminente. Essa imagem fascina a atividade intuitiva, a qual nela se detém e procura explorar todos os seus pormenores.
A intuição introvertida percebe os processos do fundo da consciência ou do inconsciente, com a mesma nitidez em que a percepção extrovertida apreende os objetos exteriores. Para a intuição introvertida, portanto, as imagens inconscientes estão revestidas da importância das coisas ou objetos da realidade interna, ética, moral e sentimental. Por outro lado, a intuição do extrovertido espreita constantemente novas possibilidades, não se detém demasiadamente com possibilidade de mal ou de bem, próprio ou alheio, de certa forma atropelando considerações de ordem humana em favor de seu ímpeto de mudança.


para referir:
Ballone GJ - Personalidade Introvertida (Timidez), in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005
Imagens Google

Estilo

Patchwork

Decora

Crochet